27.4.06

Sobre Amor e Casamento.

Eu devo me casar ? Devo ser um cara tradicional ?
Encantar a menina de olhos lindos da casa ao lado com modos gentis e promessas felizes ?
Não levá-la a minhas montanhas esquisitas, mas aos filmes do cine hollywood.
Dizer tudo a ela sobre minhas ambições e planos profissionais.
E então guardar o meu desejo, esperar a hora certa para beijá-la e todas as preliminares.
E entender suas TPMs e elogiar o bom gosto do seu chapéu de primavera.
Jamais ficar nervoso e gritar com ela " Você precisa sentir ! A melhor coisa na vida é sentir !"
Em vez disso, andar com ela pelo calçadão e acompanhar as compras de sapatos e lingeries
e aprender as constelações do céu para poder mostrar a ela nas noites de lua nova.

E quando ela me apresentar a seus pais, camisa passada, o cabelo valentemente domado, quem sabe até uma gravata !
Eu devo sentar com meus tornozelos juntos no sacrossanto sofá da família e nunca, jamais desejar fugir para o banheiro ?
Projetar um cara sereno, um cara que não sou eu, e fazer esse cara elogiar três vezes a dobradinha e o pudim de milho.
Ah que cena terrível da humanidade, um cara sentado em frente á toda a família e a família pensando
"Nós nunca vimos esse sujeito antes ! Ele quer a nossa Mary Lou !"
E na hora do cafezinho, com açúcar por favor, eles finalmente perguntam o que eu faço da vida.

Eu devo dizer a eles ? Eles gostarão de mim então ?
Dirão " ok, case com ela, estamos perdendo nossa filha mas ganhando um filho"
E então, então neste momento de glória arrepiante, eu poderei perguntar onde fica o banheiro ?

Ah, céus, e o casamento ! Toda a sua família, cento e trinta e sete primos contando piadas de papagaio.
E só uma meia dúzia dos meus, constrangida com suas roupas alugadas,
só esperando que liberem as bebidas, porque a cerveja demora tanto ?
E o padre ! Ele olha para mim como se eu estivesse me masturbando !
Perguntando nonsenses como " Você aceita esta mulher como sua esposa até que a morte os separe ?"
E eu tremendo de vontade de responder "Qual morte meu bom velhinho ? A gente morre todo dia !"
E eu bejo a noiva e todos esses sacanas fantasiados de pinguim vêm me dar tapinhas nas costas.
"Ela é toda sua rapaz, ha ha ha!"
E em todos os olhos a mesma imagem, alguma obscena lua de mel prestes a acontecer.
E todo aquele arroz absurdo, o carro todo detonado por esse bando de hooligans !
Cataratas do Iguaçu ! Velas perfumadas ! Maridos ! Esposas ! Flores ! Chocolates !
Tudo isso enfiado em hotéis cor-de-rosa.
Todos eles fazendo a mesma coisa á noite.
O Maitre indiferente sabe perfeitamente o que vai acontecer nos mil e trezentos quartos.
Os zumbis que carregam as malas sabem, o ascensorista que assobia baixinho sabe.
Todo mundo sabe ! Quase me dá vontade de não fazer coisa nenhuma !
Passar a noite acordado, olhar o Maitre nos olhos e gritar " Eu nego a lua de mel ! Eu não sou um carneirinho de lua de mel !"
Passar berrando pela galeria de portas de suítes nupciais, cantar e batucar um samba do Adoniran !
Ah, eu vou viver nas cataratas para sempre ! Eu vou me tornar o aborígene das cataratas !
O Sábio louco da lua de mel !
Dando conselhos de como terminar casamentos, como viver bigamias felizes, como conseguir divórcios transcedentais.

Mas eu já decidi, vou me casar. É importante ser tradicional em algum ponto da vida.
Aquela utopia dourada de chegar em casa, voltar para ela ao final do dia.
Sentar no sofá da sala, ela estará na cozinha, toda feliz e perfumada.
Ficará tão feliz em me ver que deixará queimar o rosbife.
E virá chorando para mim e eu levantarei triunfante do meu sofá de homer simpson
e direi "Pediremos Pizza ! Venha ver o jornal ! Amanhã comprarei uma almofada nova"
Ah, que marido fantástico eu posso ser ! Yeah, eu devo me casar ! Tanto a fazer !
Invadir o quintal do vizinho no meio da madrugada e trocar o seu grill george foreman novinho por um dicionário de interjeições alemãs !
Passear pelas ruas de manhã levando para passear a minha reprodução 2x2 do " Jardim das Delícias" de Bosch !
Colocar os mais legítimos azulejos cronopianos na fachada de mármores brancos.
E quando o prefeito vier pedir o meu voto, ah eu lhe direi "Quando você vai impedir as pessoas de continuarem assassinando as baleias ?"
De que me serve um prefeito que não liga para as baleias ?
E para o leiteiro, todo dia um recado diferente no trinco da porta,
"Eu quero leite de pinguim ! Me dê leite de pinguim !"

É, eu devo me casar e ter uma casa com lareira.
Ela dará á luz um nenezinho e então minhas olheiras farão sentido.
Serei insone, cansado, descansarei minha cabeça no vidro frio da janela e pensarei com angústia no futuro do mundo.
Viverei as mais humanas das situações, o passado enterrado atrás de mim, um homem sério pressionado pelas responsabilidades.
Ah, eu não vejo a hora, imagina, eu !
Para relaxar, poderei construir um complexo de trilhos e trenzinhos na sala, projetar pequenos templos gregos,
pequenas dunas e sambaquis á beira da minha orgulhosa ferrovia.

Ah, também não sei se vou ser esse tipo de pai.
Cheio dos trenzinhos e de neve de algodão, resgatando fantasias dos lindos dias da juventude.
Com uma saudável esposa reichiana gritando por cima das batatas "Vá fazer alguma coisa de útil !"
E cinco pimpolhos remelentos apaixonados pela xuxa, jogando videogames da cyber-xuxa ou o que quer que exista nesse pesadelo de George Orwell.
Os vizinhos carecas e fofoqueiros querendo entrar na minha sala para assistir TV.
As prestações vencendo.
Casas Bahia, Lojas Pernambucanas e o cartão preferencial das Corporações Bolo de Mel.
Impossível um minuto de silêncio para fechar os olhos e pensar na montanha, na costa da lagoa.
Sonhar por um instante que não ! Eu nunca me casei !
Ou divagar mesmo, ver a mim mesmo casado com uma mulher linda e sofisticada,
discutindo estrofes de Walt Whitman em nossa cabana na floresta,
as mãos dadas, as taças de conhaque e os cubinhos de queijo tipo reino.
Observaremos do noso janelão os filhinhos brincando com os cachorros,
fazendo fogueiras que crepitarão na noite estrelada.
Já me vejo acordar do sonho, trêmulo, correndo para minhas pílulas e calmantes.

Ah, mas e o amor ? Esqueci de falar do amor.
Não é que eu seja um calhorda incapaz de amar.
É que apenas, eu vejo o amor como um caminho novo, algo que nunca seguirá receitas de bolo.
Nunca quis casar com uma mulher que se torne uma versão muderna da minha mãe,
e a Natalie Portman nunca respondeu os meus emails.
E talvez eu esteja escondendo qúe há sim uma menina, mas ela já está casada.
E eu não gosto de sequer imaginar formas não-ortodoxas de amor e sexo.
Porra, mas deve haver algum jeito !
Todo mundo está se casando ! Todo o universo casado menos eu !

E quem sabe as coisas evoluam e vai ver eu encontre uma muher que exista e seja possível assim como eu sou possível.
Como ELA que ás vezes se lembra de mim em seu castelo de cortinas bege, mas logo volta ao que estava fazendo.
Então que seja, ficarei brincando, nem que leve mil anos, nessa piscina morna que é a vida.

8 Comments:

Blogger Rayanne said...

E eu, devo?
Acreditar que é amor e não teatro
que leva duas pessoas a todo um ritual
e convenções e modelos gastos?
Ah, de fato.
Uma comédia.
Caricatura.
Mas não é insensato!
É só uma outra de maneira de seguir os mesmos instintos, a mesma natureza que chama, a atração da fêmea, preparação do ninho, ostentação do poder, da prole, da vitória...
E o amor?
Ah, eu acredito no amor.
E se for tudo uma farsa?
Então eu prefiro viver de ilusão.
Porque é a única coisa que ainda vale a pena.

Estrela. Cadente.

8:41 AM  
Blogger A czarina das quinquilharias said...

casar pra que?
acho que o mais certo é só estar com a pessoa enquanto tiver vontade. sem laço de escravidão.
sem papeizinhos.
e quem sabe um dia não aparece a pessoa?se bem que minha hipotese é de que podemos amar qualquer um.
depende só de cativar.
mas eu acho que eu não entendo nada dessas coisas mesmo.
e, se um dia te trouxerem leite de pinguim, manda um pra mim.(essa me fez sorrir)
bjos

9:45 AM  
Anonymous Anônimo said...

Na rodoviária (um abraço e frases no ouvido): Não case nunca! Eu também não vou ter ninguém. Assim a gente pode sempre sumir para as montanhas, subir as dunas mais altas e rolar nos sambaquis. Isso tudo sem falar no velho mundo.

Mas, que a visão celestial dos casais perfeitos do último feriado nos faz párar para pensar. Ah!isso faz.

11:24 AM  
Anonymous Anônimo said...

Na rodoviária (um abraço e frases no ouvido): Não case nunca! Eu também não vou ter ninguém. Assim a gente pode sempre sumir para as montanhas, subir as dunas mais altas e rolar nos sambaquis. Isso tudo sem falar no velho mundo.

Mas, que a visão celestial dos casais perfeitos do último feriado nos faz párar para pensar. Ah!isso faz.

11:24 AM  
Anonymous Anônimo said...

and love..
love will tear us apart.
(again)

11:37 AM  
Blogger peter parker said...

why poetry?
why

6:30 PM  
Anonymous Anônimo said...

Adoro, adoro o que voce escreve!

6:09 PM  
Blogger Ingrid Maria Machado said...

e eu, devo casar?
pra que?
com quem?

sim, sim. eu devo casar.
eu quero casar.
de branco, vestido tomara que caia e uma cartola de cetim branco.

quero que meu futuro-quase marido esteja me esperando lindo, de sandália rasteira ou all star. com olhos brilhando a minha espera.

quero que os sonhos se tornem realidade. sem falsas modéstias, ter filhos lindos e fofos.

quero ler meus livros pra eles, toda noite, na hora de dormir. encanta-los com a historia do homem que se tornou barata, ou daquele que foi proibido de entrar no castelo.

quero estar feliz. de verdade. ouvindo discos e vendo meus filmes que muitos dizer ser "chatos".

mas é tudo tão difícil de acontecer. que resta-me apenas os sonhos.

6:46 AM  

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