28.4.06

Sobre Casamento e Amor.

De tudo isso quero os moleques correndo pela sala, chutando a velha bola de capotão que tenho guardada no guarda-roupas, chapinhando na chuva a ignorar os pedidos de “entrem em casa!”, “vão terminar tomando injeção para gripe!”.
De tudo isso quero o carinho antes do “boa noite”, que não serão só mais duas palavras entre tantas que já ouvi. Será aquele alegre “vamos pra cama?”, que esconde entre essas tão poucas letrinhas, tantas vontades de dormir mais tarde, depois das caricias únicas, do sorriso alto saciado e, de novo, ouvir o boa noite que enfim será mesmo boa.
Quero o amor branco, em seu cavalo alado, vestido de sonhos e realidades. Mais sonhos que realidades, que fique bem claro. Pois sempre que acordo para te ver, parece que nada mudou. Morpheu com sua areia mágica nos soprará abençoadamente a cidade do eterno retorno que acho em seus braços.
De tudo isso, por entre amor e casamento, só quero ela que virá!

27.4.06

Sobre Amor e Casamento.

Eu devo me casar ? Devo ser um cara tradicional ?
Encantar a menina de olhos lindos da casa ao lado com modos gentis e promessas felizes ?
Não levá-la a minhas montanhas esquisitas, mas aos filmes do cine hollywood.
Dizer tudo a ela sobre minhas ambições e planos profissionais.
E então guardar o meu desejo, esperar a hora certa para beijá-la e todas as preliminares.
E entender suas TPMs e elogiar o bom gosto do seu chapéu de primavera.
Jamais ficar nervoso e gritar com ela " Você precisa sentir ! A melhor coisa na vida é sentir !"
Em vez disso, andar com ela pelo calçadão e acompanhar as compras de sapatos e lingeries
e aprender as constelações do céu para poder mostrar a ela nas noites de lua nova.

E quando ela me apresentar a seus pais, camisa passada, o cabelo valentemente domado, quem sabe até uma gravata !
Eu devo sentar com meus tornozelos juntos no sacrossanto sofá da família e nunca, jamais desejar fugir para o banheiro ?
Projetar um cara sereno, um cara que não sou eu, e fazer esse cara elogiar três vezes a dobradinha e o pudim de milho.
Ah que cena terrível da humanidade, um cara sentado em frente á toda a família e a família pensando
"Nós nunca vimos esse sujeito antes ! Ele quer a nossa Mary Lou !"
E na hora do cafezinho, com açúcar por favor, eles finalmente perguntam o que eu faço da vida.

Eu devo dizer a eles ? Eles gostarão de mim então ?
Dirão " ok, case com ela, estamos perdendo nossa filha mas ganhando um filho"
E então, então neste momento de glória arrepiante, eu poderei perguntar onde fica o banheiro ?

Ah, céus, e o casamento ! Toda a sua família, cento e trinta e sete primos contando piadas de papagaio.
E só uma meia dúzia dos meus, constrangida com suas roupas alugadas,
só esperando que liberem as bebidas, porque a cerveja demora tanto ?
E o padre ! Ele olha para mim como se eu estivesse me masturbando !
Perguntando nonsenses como " Você aceita esta mulher como sua esposa até que a morte os separe ?"
E eu tremendo de vontade de responder "Qual morte meu bom velhinho ? A gente morre todo dia !"
E eu bejo a noiva e todos esses sacanas fantasiados de pinguim vêm me dar tapinhas nas costas.
"Ela é toda sua rapaz, ha ha ha!"
E em todos os olhos a mesma imagem, alguma obscena lua de mel prestes a acontecer.
E todo aquele arroz absurdo, o carro todo detonado por esse bando de hooligans !
Cataratas do Iguaçu ! Velas perfumadas ! Maridos ! Esposas ! Flores ! Chocolates !
Tudo isso enfiado em hotéis cor-de-rosa.
Todos eles fazendo a mesma coisa á noite.
O Maitre indiferente sabe perfeitamente o que vai acontecer nos mil e trezentos quartos.
Os zumbis que carregam as malas sabem, o ascensorista que assobia baixinho sabe.
Todo mundo sabe ! Quase me dá vontade de não fazer coisa nenhuma !
Passar a noite acordado, olhar o Maitre nos olhos e gritar " Eu nego a lua de mel ! Eu não sou um carneirinho de lua de mel !"
Passar berrando pela galeria de portas de suítes nupciais, cantar e batucar um samba do Adoniran !
Ah, eu vou viver nas cataratas para sempre ! Eu vou me tornar o aborígene das cataratas !
O Sábio louco da lua de mel !
Dando conselhos de como terminar casamentos, como viver bigamias felizes, como conseguir divórcios transcedentais.

Mas eu já decidi, vou me casar. É importante ser tradicional em algum ponto da vida.
Aquela utopia dourada de chegar em casa, voltar para ela ao final do dia.
Sentar no sofá da sala, ela estará na cozinha, toda feliz e perfumada.
Ficará tão feliz em me ver que deixará queimar o rosbife.
E virá chorando para mim e eu levantarei triunfante do meu sofá de homer simpson
e direi "Pediremos Pizza ! Venha ver o jornal ! Amanhã comprarei uma almofada nova"
Ah, que marido fantástico eu posso ser ! Yeah, eu devo me casar ! Tanto a fazer !
Invadir o quintal do vizinho no meio da madrugada e trocar o seu grill george foreman novinho por um dicionário de interjeições alemãs !
Passear pelas ruas de manhã levando para passear a minha reprodução 2x2 do " Jardim das Delícias" de Bosch !
Colocar os mais legítimos azulejos cronopianos na fachada de mármores brancos.
E quando o prefeito vier pedir o meu voto, ah eu lhe direi "Quando você vai impedir as pessoas de continuarem assassinando as baleias ?"
De que me serve um prefeito que não liga para as baleias ?
E para o leiteiro, todo dia um recado diferente no trinco da porta,
"Eu quero leite de pinguim ! Me dê leite de pinguim !"

É, eu devo me casar e ter uma casa com lareira.
Ela dará á luz um nenezinho e então minhas olheiras farão sentido.
Serei insone, cansado, descansarei minha cabeça no vidro frio da janela e pensarei com angústia no futuro do mundo.
Viverei as mais humanas das situações, o passado enterrado atrás de mim, um homem sério pressionado pelas responsabilidades.
Ah, eu não vejo a hora, imagina, eu !
Para relaxar, poderei construir um complexo de trilhos e trenzinhos na sala, projetar pequenos templos gregos,
pequenas dunas e sambaquis á beira da minha orgulhosa ferrovia.

Ah, também não sei se vou ser esse tipo de pai.
Cheio dos trenzinhos e de neve de algodão, resgatando fantasias dos lindos dias da juventude.
Com uma saudável esposa reichiana gritando por cima das batatas "Vá fazer alguma coisa de útil !"
E cinco pimpolhos remelentos apaixonados pela xuxa, jogando videogames da cyber-xuxa ou o que quer que exista nesse pesadelo de George Orwell.
Os vizinhos carecas e fofoqueiros querendo entrar na minha sala para assistir TV.
As prestações vencendo.
Casas Bahia, Lojas Pernambucanas e o cartão preferencial das Corporações Bolo de Mel.
Impossível um minuto de silêncio para fechar os olhos e pensar na montanha, na costa da lagoa.
Sonhar por um instante que não ! Eu nunca me casei !
Ou divagar mesmo, ver a mim mesmo casado com uma mulher linda e sofisticada,
discutindo estrofes de Walt Whitman em nossa cabana na floresta,
as mãos dadas, as taças de conhaque e os cubinhos de queijo tipo reino.
Observaremos do noso janelão os filhinhos brincando com os cachorros,
fazendo fogueiras que crepitarão na noite estrelada.
Já me vejo acordar do sonho, trêmulo, correndo para minhas pílulas e calmantes.

Ah, mas e o amor ? Esqueci de falar do amor.
Não é que eu seja um calhorda incapaz de amar.
É que apenas, eu vejo o amor como um caminho novo, algo que nunca seguirá receitas de bolo.
Nunca quis casar com uma mulher que se torne uma versão muderna da minha mãe,
e a Natalie Portman nunca respondeu os meus emails.
E talvez eu esteja escondendo qúe há sim uma menina, mas ela já está casada.
E eu não gosto de sequer imaginar formas não-ortodoxas de amor e sexo.
Porra, mas deve haver algum jeito !
Todo mundo está se casando ! Todo o universo casado menos eu !

E quem sabe as coisas evoluam e vai ver eu encontre uma muher que exista e seja possível assim como eu sou possível.
Como ELA que ás vezes se lembra de mim em seu castelo de cortinas bege, mas logo volta ao que estava fazendo.
Então que seja, ficarei brincando, nem que leve mil anos, nessa piscina morna que é a vida.

16.4.06

SERÁ QUE É DE ÉTER?

Certa vez Beatriz atravessou a rua acompanhando um cego. Ela que lhe ofereceu ajuda. De pronto esticou o braço e ofereceu-lhe o ombro. Fez como deve ser feito. Deixou que ele a seguisse, sem arrastá-lo pelo braço, segurar-lhe pelas mãos, ou coisa do tipo. Ela sabia que qualquer atitude dessas o deixaria desaprumado, sem saber direito onde pisar ou por onde seguir.
Beatriz sempre soube como ajudar os cegos em suas aventuras diárias de seguir mundo afora na completa escuridão...então, conheceu Pedro.
Cegos de amor.
Hoje, Beatriz e Pedro trombam nos transeuntes desatentos, ocupados, absorvidos, sabedores de que têm um ombro em que apoiar e seguir.
Só que na claridade total dos sentidos.

4.4.06

Lucinha e os anos

E por mais que eu quisesse encontrar um bom motivo para não ter entrado naquele banheiro, nada ocorria. Agora, tantos anos depois, o mesmo cigarro, a mesma pele só me falata mesmo ver os olhos bem de perto.
Lucinha usava óculos escuros enormes e fungava teatralmente na beira do caixão de Marcos. Nunca perdoamos esse patife por ter nos capturado a princesa e agora não iríamos perdoá-lo por abandoná-la assim de forma tão repentina, e na turma que conservava na memória uma Lucinha cheia de segredos e promessas transgressoras a via reduzida a uma viúva ordinária como tantas outras viúvas ordinárias naquele mesmo dia de enterros calorentos e apressados.
Realmente imperdoável manter esta mulher num lugar de sombras onde ela se parece com qualquer outra. Marcos sempre foi o mais calhorda, foi o primeiro a fumar, beber perder a virgindade e finalmente, supremo ápice adolescente, comer a Lucinha. Lembro até hoje do diálogo incrédulo:

- Comeu?
- Comi...
- Você não tá falando sério.
- Comi cara...

O babaca acendia um cigarro e e aumentava o suspense, nossos olhos arregalados:

- E como foi?
- Normal.
- Ela é boa?
- Gostosa, né?
- Então foi bom?
- Mais ou menos... A Marília é melhor.

E nos dava aquele tapa violento na cara, aquele tapa moral. Todos queriam Lucinha. Mas ele, ele não, desprezava a musa como quem mija num carro importado, só para sacanear o vizinho.

O que restava pra mim além de envolvê-la naquela aura de delírio ainda mais um pouco? Faria de mim mais jovem, mais honesto. Imaginei: Ela, num enterro, só com as canelas de fora chorando por um homem que não sou eu. Eu estivesse morto, fosse eu o cara a comer a Lucinha de oitenta e três no mínimo ela estaria usando luvas enquanto meu caixão descia desconjuntado pela cova adentro... Sempre achei que ela é do tipo de mulher que usaria luvas no enterro do amado. Ela não o amou. Certeza.

Acabada a cerimônia, andei devagar para a saída do cemitério sem a mínima vontade de cumprimentar quem quer que fosse. Encostei numa lápide musgosa e velha e lá pensei se não seria o Marcos o primeiro de uma dinastia de mortos que iriam me rodear e eventualmente me chamar. Seria mesmo bom estar mort...

- Tem isqueiro?

Ela balançava os óculos na mão esquerda e segurava o cigarro com a outra. Tirei o bic do bolso e acendi sem dificuldade comendo com os olhos a tragada mais funda que uma mulher poderia dar.

- Quer tomar um café?

Resolvi ser sem vergonha depois de velho, e no momento que ela olhou para o portão escancarado do cemitério um raio violento de vida passou pelos olhos daquela mulher. Ela murmurou um por que não acanhado e me deu o braço. E naquele momento, até que o mundo parecia mesmo feito para ser bom.

3.4.06

Idades

Queria ter 80
sentar na velha estação
e esperar pelo trem q não vem...

só para matar a vontade de fugir de casa
parecer jovem outra vez.